A vida da garota vazava de si como se temesse seu destino.

NYX

Melissa estava morta. O véu azulado da noite tentava disfarçar o sangue rubro que escapava das inúmeras fraturas da garota, mas sem efeito. Ela enxergava pouco, seu olho que ainda funcionava parecia coberto com uma lente de carmesim, mas conseguia ver o osso do seu antebraço e algumas estrelas de fundo.

Conseguia ver ele.

Deu errado, o plano da garota. Ela achava que seu anjo guardião sairia do céu para salva-la como antes. Agora, tossindo sangue e respirando com dificuldade, ela percebia que nada moveria o guardião do seu posto entre as estrelas.

Aldebarã não apareceu.

A garota que chorava sangue, sangra uma lágrima e morre.

Ela acorda no meio de um lixão, sua visão turva vê moscas e lixo eletrônico espalhado pelos seus arredores. Entre o entulho, a Lua parece enquadrada como uma fotografia. Só a luz pálida do satélite faz ela lembrar do amigo. Ela tenta levantar e é como se mil agulhas furassem cada centímetro do seu corpo.

Ela chora.

Melissa sempre foi sozinha, seu pai era envolvido com alguma coisa ilícita e sua mãe provavelmente estava morta.

Ela passava os dias numa casa escondida que seu pai comprara para a manter segura.
Nessa vida resumida em bocejos e silêncio, Melissa achava sua única felicidade em quebrar as garrafas caras de seu pai, deixar o álcool vazar pelo chão e dançar na pilha de vidro e sangue e whiskey que era criada. Terminava suas noites rolando pelo chão, rindo, chorando, sentindo.

Em uma de suas comemorações, um estranho ser de luz apareceu.

Ela tentou fugir, mas ele atravessava paredes. Tentou mata-lo, mas atravessava garrafas quebradas, também.A criatura agarrou os braços da menina e a abraçou. Disse que a garota tinha algo para cumprir. Que um dia eles fugiriam juntos para um lugar que nem seu pai poderia perseguir.Eles passaram a noite conversando sobre estrelas e sobre os lugares que ela conheceria quando estivesse pronta.

Na noite antes de sua morte, Melissa foi visitada novamente por Aldebarã. O Anjo disse que tinham de parar de se ver. Que ela não poderia escapar, que era para a garota esquecer. Ele não tinha esse direito. Ela não deixaria sua promessa ser anulada. Ele viria a Terra por ela de novo.

Uma fratura craniana, uma fratura ocular, uma fratura exposta no braço, dois joelhos quebrados. Então como ela estava inteira? Seu corpo ainda doía e um de seus olhos se foi, mas ela estava viva. Ela não conseguia se mover, mas ouviu a voz de um Estranho, pigarrenta e áspera, reclamando.

- Belo showzinho, imunda, tu queria chamar a atenção Dele e conseguiu. - A garota abre a boca para indagar, mas não consegue.
- Eu preciso de algo que ele tem, então vou te quebrar esse galho e te ensinar alguns truques de mágica.

Ela finalmente consegue levantar a cabeça, justo a tempo de ouvir O Estranho balbuciar algo em latim e apontar o dedo para um dos ratos escondido em uma pilha da garrafas de vidro.

Com uma explosão, o roedor virou uma pasta vermelha de vísceras e vidro voou para todo lado.
Nyx havia encontrado a chave para Aldebarã.

Acordar às sete da noite e ir dormir às três da tarde.Comer só restos de comida encontrados no lixo.Atrair moscas, feder mais que o lixão.Acordar com ratos mordendo seu corpo.Tossir sangue ao falar encantações proibidas.Infecções.
Vômitos.
Sangue.

Novamente, a garota era abandonada, antes, foi abandonada antes de morrer, agora, era abandonada antes de nascer.

A garota fedia a óleo de motor e suor, seu cabelo era um emaranhado oleoso e suas bandagens tinham de ser trocadas, mas ela não se importava.
Não se importava que já fazia um mês que não via seu reflexo sem um capacete.
Não se importava que o casaco que usava tinha buracos de bala e manchas de mofo.
Melissa nunca teria coragem de ser assim. Por Melissa isso morreu.

Por isso Nyx nasceu.

Um loiro vagabundo, tão disfuncional quanto ela e O Estranho apareceu no lixão. Parecia um policial mas nenhum policial poderia beber tanto num dia só.

Ele falava sobre Acervo isso, Strange aquilo e aí começava a reclamar do seu time de futebol americano e pegar no sono num sofá podre que Nyx usava como cama.

Nyx cogitou fugir algumas vezes, mas acabou desistindo quando O Homem balbuciou algo sobre Translação. O Estranho mencionou, mas jurou matar Nyx se ela tentasse força-lo a ensinar.

Novamente Nyx encontrava o caminho para Aldebarã.

feito por Cherry